quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Eu vi ela

Hoje, em sala de aula, escrevi três frases no quadro e perguntei à turma qual estava correta segundo a norma padrão. As sentenças foram:

1.Eu vi ela.
2. Eu amo ela.
3. Eu peguei ele no colo.

Rapidamente, toda a turma disse que a correta era a frase número 3, pois as primeiras formavam um “som esquisito” – viela, moela.
Normalmente, é isso que as pessoas pensam quando analisam frases desse tipo. No entanto, o que se deve saber é que não é exatamente o som desagradável que torna essas frases inadequadas, mas sim o uso indevido do pronome pessoal do caso reto.
Nos textos com os quais tenho contato diariamente, sejam redações, trabalhos de conclusão de curso, trabalhos escolares, sempre vejo esse tipo de uso e é por isso achei importante criar esse post.

Adendo para quem não se lembra:
Os pronomes pessoais do caso reto são EU, TU, ELE, NÓS, VÓS, ELES.


Pois bem, a regra é a seguinte:
 Os pronomes do caso reto nunca devem ser usados como complementos de verbos. Em vez deles, devemos utilizar os pronomes oblíquos.

Dessa forma, as três frases apresentadas possuem desvios em relação à norma culta. Isso porque, nos três casos, temos pronomes pessoais do caso reto complementando verbos.
As frases corrigidas são:
1.    Eu a vi.
2.    Eu a amo.
3.    Eu o peguei no colo.

A terceira frase é bem comum e as pessoas não percebem que está “incorreta” porque não possui o tal som estranho. Para citar outros exemplos:
Eu conheci ela na festa da faculdade.  
Minha irmã beijou ele no meio da rua.

(Desculpem-me pelas frases bobinhas... é que para exemplificar elas funcionamJ)

Essas orações são muito comuns na comunicação oral do dia-a-dia e eu não condeno ninguém pelo seu uso. No entanto, é necessário saber que em textos escritos elas não devem ser utilizadas.
Quem está se preparando para uma prova de redação deve saber disso.
Até a próxima!

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Para não fugir do tema


Na última semana, meus alunos do pré-vestibular fizeram um simulado de redação em que a proposta era:

Violência contra a mulher. Por que esses crimes continuam ocorrendo?

A maior parte dos alunos conseguiu uma boa nota, o que me deixou bastante feliz. Os que não conseguiram pecaram na interpretação do tema, o que, aliás, é um problema bastante comum em provas de redação.

E a fuga parcial ocorreu nos casos em que o candidato falou sobre o assunto e não sobre o tema.

Como assim?

Esclareço por meio de exemplos.

Analisemos os temas a seguir:
Tema 1: De que maneira a violência contra a mulher deve ser combatida pela sociedade?
Tema 2: Que tipos de problemas podem ter as mulheres que já foram vítimas de violência?
Tema 3: Que atitudes as mulheres devem ter para evitar que sejam vítimas de violência?

As três propostas apresentadas são bem diferentes umas das outras. No entanto, qual é o assunto comum a todas elas?
                                    
                                      A violência contra a mulher.

Isso evidencia que não adianta, nesse caso, falar sobre qualquer coisa relacionada à violência contra a mulher, deve-se atentar para a especificidade da proposta. Do contrário, fuga parcial!

Voltando ao simulado... li textos em que o autor passou todo o desenvolvimento falando que os casos de violência têm aumentado, que a mulher vitimada acaba tendo muitos problemas psicológicos, que os filhos que assistem à violência reproduzirão os mesmos atos etc.

O erro é que, com esses argumentos, não se está atendendo à proposta, que era Por que os crimes continuam ocorrendo”.

A palavra de comando nesse tema é o “Por que”. Quando se utiliza o porquê, estão em jogo as CAUSAS, os MOTIVOS do problema. Então, bastava que o autor pensasse em duas ou três causas e a comprovasse.

Eu, por exemplo, acho que os crimes persistem porque:

1.A justiça é falha e, por isso, os agressores não têm medo de punição.
2.Algumas mulheres dependem financeiramente dos maridos e aceitam as agressões porque não têm como sobreviver sozinhas.
3.Apesar de muitos avanços, ainda vivemos em uma cultura machista.

Com esses argumentos, eu não fujo da proposta, pois atendo à especificação do tema – as causas do problema.

Enfim, fique bastante atento às frases de comando. Não adianta fazer um texto maravilhoso e tangenciar o tema.

É isso...

domingo, 28 de agosto de 2011

Enfim, acabei a redação!

Quando leio algumas dissertações, tenho a impressão de que o autor pensou exatamente o título dessa postagem quando escreveu a conclusão.  É como se depois de tanto refletir sobre o tema, depois de ter conseguido desenvolver três ou quatro parágrafos, chegou o momento de dizer qualquer coisa na conclusão e se livrar do texto.
E esse é um erro!
Primeiro porque a conclusão vale 20% do texto, ou seja, o mesmo que os outros parágrafos. Porém, ainda mais importante do que isso é o caráter subjetivo que esse último momento da redação possui.  Quando lemos um artigo, uma reportagem, uma crônica e o final é surpreendente, envolvente, impactante, inteligente, finalizamos a leitura com uma sensação boa, uma sensação de que a leitura valeu a pena.
 Nas dissertações para concursos, o mesmo acontece. Sendo a conclusão a última coisa que o avaliador lerá no seu texto, é essencial encantá-lo nesse momento, pois há grande possibilidade de que o “gran finale” aumente a sua nota.
Quando falamos em texto,  não é só  a primeira impressão que fica, a última também.
Vamos ver dois exemplos que comprovam o que digo.
Tema: A internet como fonte de informação
Conclusão 1:
“Discutir a validade do mundo virtual como meio de propagação de conhecimento não se mostra mais adequado para o momento, dado que a tendência da internet é cada vez angariar mais usuários. Sensato seria garantir instrução suficiente às crianças e aos jovens para que eles, por conta própria, pudessem desenvolver mecanismos de seleção de tudo aquilo que recebem do meio externo. Dessa forma, informações falsas ou caluniosas seriam automaticamente arrastadas para a lixeira”.

Conclusão 2:
“A discussão sobre a confiabilidade das informações disponíveis na internet não é tão importante. O que se faz necessário é instruir crianças e jovens para que eles saibam selecionar os conteúdos a que têm acesso na rede”.

As duas conclusões apresentam o mesmo conteúdo e são satisfatórias para finalizar uma dissertação. A primeira, no entanto, por conta da criatividade, tem mais chances de impactar o avaliador.  O último período, por exemplo, apresenta uma figura estilística interessante, que dá um tom diferenciado ao texto.  

Então... só diga “Acabei a redação” quando a conclusão estiver finalizada.


sábado, 27 de agosto de 2011

Todo dia me perguntam sobre a crase...


Esta é a transcrição de um e-mail que respondi a um aluno que pedia dicas para estudar crase.



Há muitas regras para o uso correto da crase, mas não acho interessante transcrevê-las aqui. A “dica” que dou é que conhecer a regência de verbos e nomes ajuda muito nos casos de emprego de acento grave. Veja só: na frase “Ele se referiu à novela da Rede Globo”. O “a” recebeu acento grave porque tivemos a junção “aa”. O verbo “referir-se” exige a preposição “a” ( Quem se refere se refere A algo). “Novela” é uma palavra feminina no singular e, por isso, o artigo que a acompanha é o “a”. Sendo assim, houve a junção de “a” (preposição exigida pela regência do verbo) + “a” (artigo exigido pela palavra feminina). Para que se evidencie esse processo de junção de “aa”, que se chama crase, nós utilizamos o acento grave. Repare que a essa conclusão eu pude chegar pelo conhecimento que tenho sobre a regência do verbo “referir-se”. Para citar outro exemplo: “Responda à pergunta”. Eu sei que o verbo “responder” é transitivo indireto, ou seja, sua regência exige uso de preposição, nesse caso “a” ( quem responde responde A algo). Como “pergunta” é uma palavra feminina no singular, sei que o artigo que a acompanha é o “a”. Dessa forma, a junção “a” (preposição exigida pelo verbo) +” a”(artigo exigido pela palavra feminina) ocasionou o fenômeno da crase “aa”, que é representado pelo acento grave.
É claro que essa observação da regência do verbo e do nome não vai resolver todos os casos, mas vai te auxiliar bastante em muitas situações.

"Quem tem frase de vidro não atira crase na frase do vizinho".
"A crase não foi feita para humilhar ninguém".

Ferreira Gullar, in A Estranha Vida Banal, 1989.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

E-mail de orientação para minha tia - dissertação argumentativa


Há uns cinco anos, minha tia me ligou e disse que faria, no dia seguinte, uma prova de vestibular e precisava de orientação. Ela queria que eu a auxiliasse em relação ao tema "Crise financeira", pois achava que essa seria a proposta. Fiz, então, um texto explicativo simples sobre o assunto. Transcrevo-o abaixo.



Você pediu orientações sobre a produção de uma redação sobre  o tema " Crise mundial". Se esse for o tema, a banca, provavelmente, não vai colocar apenas "Disserte sobre a crise", é possível que haja alguma pergunta sobre o assunto . Por exemplo, pode pedir para que você fale das causas ou das consequência do problema. Supondo que o tema seja " Consequência da crise econômica no Brasil", a estrutura da redação será a seguinte:

Introdução. Faça uma contextualização do assunto e, depois, no último período, coloque a sua tese (que é o que você vai desenvolver sobre o tema).

Ex:
Muito se tem discutido acerca da desvalorização econômica no mundo atual. O que se escuta do presidente do país é que essa situação não acarretará nenhum problema para a sociedade brasileira.  No entanto,  já está sendo possível perceber que essa crise financeira pode, sim, afetar de maneira significativa o Brasil, gerando problemas como desemprego, dificuldade de compra e diminuição considerável no lucro de empresários.

Nessa introdução, você pode perceber que eu começo apenas contextualizando, falando sobre a crise de uma maneira geral. Só na tese ( a parte em destaque) eu apresento, de fato, que eu vou falar sobre as consequências do problema, que foi o que o tema pediu. Repare que eu citei na tese 3 consequências:

1- desemprego
2- dificuldade de compra
3 - diminuição do lucro dos empresários.

Esses são os 3 argumentos que eu trabalharei ao longo do texto. Citei 3 argumentos para fazer 3 parágrafos de desenvolvimento. Se você fizer apenas 2 parágrafos de desenvolvimento, deve citar apenas 2 argumentos.

Essa é uma das estratégias de introdução, mas você pode fazer também a sua tese sem citar argumentos, apenas apresentando, de forma generalizada, o que vai defender. Por exemplo:


"No entanto,  já está sendo possível perceber que essa crise financeira pode, sim, afetar de maneira significativa o Brasil, gerando problemas em diversos setores".

 É importante que a sua introdução tenha uma dessas 2 estruturas.


Quanto ao desenvolvimento, explique cada argumento em um parágrafo. Por exemplo, no primeiro parágrafo do desenvolvimento, você vai dissertar sobre o desemprego, então pode fazer mais ou menos a seguinte estrutura:

A quantidade de demissões no país é consequência direta da crise por que os Estados Unidos passam. Obviamente, não se pode dizer que o desemprego que existe é causa exclusiva da quebra das bolsas americanas, mas o que se pode afirmar é que, nos últimos meses, houve uma grande quantidade de empresas nacionais que demitiram funcionários por esse problema. Um exemplo é o setor automobilístico, que demitiu no mês de novembro 100 funcionários.

Nesse parágrafo de desenvolvimento, eu apresentei no 1º período um resuminho do que eu vou desenvolver no restante do parágrafo. Depois eu continuei a explicação e citei exemplos. Essa estrutura torna o texto mais organizado.

Os exemplos que eu citei nesse parágrafo são inventados, mas na prova eles colocam textos de apoio em que, geralmente, têm alguns dados que podem ser usados por vc.

O mesmo deverá ser feito nos outros parágrafos de desenvolvimento com os outros argumentos.

Na conclusão, você apenas reafirma a sua tese e pode depois, por exemplo, propor uma solução para o problema.

São problemáticas, portanto, as consequências dessa crise para o cidadão brasileiro. É preciso que os governos se organizem e tracem um plano de ação com o intuito de que os efeitos negativos sejam amenizados e a sociedade consiga superar esse período.

Sobre o nome


Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxaguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar.

Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.

                                                                                                        Graciliano Ramos



Esse é um texto de que gosto muito e, por isso, tirei dele o nome do blog. Escrever dá trabalho, exige disposição e técnica. Assim como é o trabalho das lavadeiras de Graciliano. E num mundo onde tudo é tão rápido, tão urgente, a prática escrita acaba se tornando chata para alguns, justamente pela exigência de concentração, de calma, de disponibilidade para a prática. 

Sempre digo aos meus alunos que as pessoas se preocupam muito, por exemplo, com a vestimenta que vão usar em determinadas situações, mas esquecem-se de que uma boa comunicação é o melhor cartão de visitas que se pode ter.

E é aí que temos um paradoxo. A sociedade que estimula a falta de concentração, o superficial, o recorta e cola é a mesma que privilegia aqueles que dominam a boa palavra - escrita e falada. É a mesma sociedade que, de maneira agressiva, exclui os que não têm uma boa comunicação. Prova disso são as propostas de redação nos concursos públicos, vestibulares e até mesmo os textos exigidos nos processos seletivos para empresas privadas. Os avaliadores querem checar a qualidade comunicativa do candidato. E esse tipo de avaliação acaba constituindo um filtro enorme, por onde só os bem preparados passam.

Quem não investe em uma boa comunicação oral usa a palavra, mas não diz. Quem não investe na escrita usa a palavra, mas não diz. E, se a palavra foi feita para dizer, conforme afirma Graciliano Ramos, infelizmente, alguns ficam calados. E ficar calado é mais do que não abrir a boca... é abrir a boca e não ser ouvido, porque não se sabe como dizer.